Quem está no controle?

Quem está no controle?


Afinal, quem está no controle das suas ações? No texto abaixo eu explico sobre os famosos “Vieses Cognitivos”, e como eles são aplicados ao design de experiência, e aos produtos e serviços que você utiliza todos os dias.


Você já parou para pensar em como você chega à conclusão de que um produto é barato ou não? Ou até mesmo por quê você não compra mais coisas em dinheiro como era antigamente?

Sim? Não? Pois é, independente da resposta, eu ja te digo: você foi enviesado!

Mas calma! Fique tranquilo, você não é o único!

Isso acontece porque existem comportamentos que executamos de maneira inconsciente e que estão diretamente relacionados com o conceito de vieses cognitivos.

Os vieses cognitivos são padrões de pensamento automáticos e inconscientes que afetam a maneira como interpretamos informações e tomamos decisões. De acordo com o livro “Enviesados” de Rian Dutra, esses vieses são atalhos mentais que nosso cérebro utiliza para lidar com a quantidade massiva de informações que recebemos diariamente.

Esses atalhos podem ser úteis em certas situações, permitindo-nos agir rapidamente e economizar energia mental para outras coisas.

(afinal de contas, quem não gosta de poupar energia?!).


Apesar de ser um conceito que vem da área da psicologia (até porque está diretamente ligado à maneira que pensamos — pensamentos rápidos / devagar), quando aplicado à design pode trazer infinitas possibilidades e insights não só para o negócio, como também para os clientes que utilizam (usuários).

Enquanto outras áreas do design podem se concentrar em aspectos estéticos, funcionais ou técnicos, a experiência do usuário (UX ou User Experience) concentra-se principalmente em garantir que a interação entre o usuário e o produto/serviço seja eficaz, eficiente e satisfatória.

É aí que entra um papel fundamental da frente de UX na compreensão das necessidades e opiniões dos usuários em relação a produtos e serviços.

Por meio da investigação e análise de dados capturados em aplicativos, plataformas e sistemas, as empresas podem obter insights valiosos para projetar e melhorar suas ofertas de forma a atender às expectativas dos usuários.

Isso é bom ou ruim? Depende! Se uma empresa se preocupa com isso, pode ser visto como algo positivo, ou seja, se possui uma intenção de transparência e ética com os usuários/clientes, é bom. O problema está quando as empresas trazem vieses cognitivos e removem a ética e o bom senso desta intenção, criando um outro conceito: os dark patterns — Mas isso é conteúdo pra outro post…


Tá…Mas quais são os Vieses Cognitivos e como faço para não ser enviesado? Preciso de exemplos!

O livro ‘Enviesados’ de Rian Dutra lista alguns dos vieses mais presentes em nosso cotidiano e alguns exemplos práticos de como identificá-los.

1. Viés da Ancoragem:

“Tendemos a confiar muito na primeira informação que recebemos”

É a tendência de se fixar em uma informação inicial (âncora) e usá-la como referência para todas as outras informações, mesmo que essa âncora seja irrelevante ou não represente a realidade.

Exemplo: Um vendedor que começa a negociação com um preço muito alto para um produto, fazendo com que o cliente veja como referência esse valor elevado, e acabe pagando um preço maior do que realmente gostaria (ou o valor real deste produto).

Outro exemplo sobre o viés da Ancoragem, é quando há algum evento sazonal (ex: Black Friday, Dia das Mães, Dia dos Pais, etc…) e o preço do produto não muda, mas simula-se um “preço anterior” que é mais caro que o preço atual, fazendo você comprar por conta de uma “promoção” e não por uma necessidade.

Como se atentar à este viés?
Efetue pesquisas ao longo do tempo para avaliar o preço deste produto fora de épocas em que acontecem muitas promoções. Isto poderá te mostrar que o preço promocional daquele produto não é tão promocional assim…

Foto extraída das redes sociais (Twitter)

2. Viés de aversão à perda:

“Sentimos a dor de perder algo duas vezes mais do que o prazer de ganhar”

O viés de aversão à perda é um dos vieses cognitivos mais estudados e influentes na tomada de decisão. Ele se refere à tendência das pessoas em valorizar mais as perdas do que os ganhos equivalentes. Em outras palavras, a dor de perder algo é sentida de forma mais intensa do que o prazer de adquirir algo semelhante.

Exemplo: Em interfaces de comércio eletrônico, as empresas destacam perdas potenciais se um usuário não agir, como a escassez de produtos ou promoções com prazo limitado. Isso cria um senso de urgência e pode motivar os usuários a realizar uma compra para evitar a sensação de perda.

Como se atentar à este viés?
Esteja ciente da existência desse viés cognitivo e de como ele pode influenciar suas decisões. Ao reconhecer sua presença, você se torna mais atento a possíveis distorções em seu pensamento.
Efetue pesquisas e valide outras empresas que prestam o mesmo serviço ou vendem um mesmo produto, isto poderá te distanciar emocionalmente de uma situação.

Na foto abaixo, por exemplo, vemos que a empresa ressalta o desconto breve (“Só mais 3 horas”), a fim de gerar aversão à perda, e o intensifica com a ancoragem do valor.

Foto extraída do site da Udemy — Escola de treinamentos

3. Efeito “Cashless”:

“Gastamos e compramos mais quando não vemos o dinheiro”

O viés cognitivo conhecido como “efeito cashless” refere-se a uma tendência na qual as pessoas tendem a gastar mais dinheiro quando usam meios de pagamento digitais, como cartões de crédito ou aplicativos de pagamento móvel, em comparação com o uso de dinheiro físico. Esse viés cognitivo está relacionado à forma como percebemos o valor do dinheiro e como lidamos com ele em diferentes formas.

Exemplo: A funcionalidade de aproximação do cartão de crédito é um exemplo de viés cognitivo, facilitando o processo de pagamento e acelerando-o, fazendo com que seja menos doloroso, e pois, mais fácil gastar mais.

Como se atentar à este viés?
Certifique-se de que você possui uma vida financeira saudável antes de simplesmente evitar a dor de comprar e jogar tudo para o cartão de crédito. Lembre-se no final do mês a conta chega!

O processo passou a se tornar tão rápido que nem a senha é mais necessária

4. Viés do Custo Afundado:

“Somos relutantes a desistir de algo se investimos muito tempo ou dinheiro naquilo”

O viés cognitivo do custo afundado, também conhecido como “falácia do custo afundado” ou “efeito afundamento de custo”, refere-se à tendência das pessoas de continuarem investindo recursos (como tempo, dinheiro ou esforço) em uma decisão ou projeto, mesmo quando os benefícios futuros são incertos ou já não justificam o investimento. Esse viés é influenciado pelo desejo de não se desperdiçar o que já foi investido, mesmo que a racionalidade indique que é melhor interromper o investimento.

Exemplo: Um exemplo é no desenvolvimento de projetos. Algumas vezes é melhor que o projeto seja cortado antes do previsto para conter recursos (dinheiro, tempo, pessoas, etc…) do que finalizar o projeto e não ter recursos para mantê-lo.

Como se atentar à este viés?
Tente analisar todas as possibilidades que existem e faça a comparação entre prós e contras que habitam neste cenário. Tenha consciência deste viés cognitivo e siga a alternativa que traz mais prós para você! Não caia no conto do “já que está acabando…”.

https://ghost-production-084c.up.railway.app/media/33e49617cf7aabd001b145edd140509d

É melhor que este final nunca chegue, não é mesmo? rsrs

5. Viés do Status Quo:

“Tendemos a deixar as coisas como estão mesmo que hajam alternativas mais vantajosas”

O viés do status quo, também conhecido como o viés da inércia, refere-se à tendência das pessoas de preferirem manter as coisas do jeito que estão ao invés de mudar para uma solução nova, mesmo que a nova solução seja melhor que a atual, e mesmo com decisões importantes.

Exemplo: Pode parecer algo estranho, mas você já parou pra pensar de telefonia? Mesmo sabendo que a concorrente poderá oferecer novos serviços e benefícios, num custo melhor, na maioria das vezes optamos por ficar com a atual do que passar todo o transtorno de mudar.
Na alegoria da caverna (proposta por Platão), os personagens sentem-se muito mais confortáveis na caverna e optam por ficarem dentro dela por medo do desconhecido e do mundo afora.

Como se atentar à este viés?
Tenha consciência sobre este viés e se atente à opções pré-selecionadas durante o cadastro em plataformas e sites. Perceba os benefícios e problemas que aquilo irá te proporcionar. Conforme destacado por Rian Dutra em seu livro “Enviesados”, muitas vezes, o óbvio precisa ser repetido várias vezes até que seja internalizado por nós mesmos.

A alegoria da caverna é uma reflexão interessante sobre o viés do Status Quo

6. Viés do Enquadramento:

“Fazemos escolhas com base em como as informações nos são apresentadas”

O viés do enquadramento ou efeito do enquadramento refere-se à tendência das pessoas em tomarem decisões com base na forma como a informação é apresentada, em vez de avaliarem objetivamente as opções disponíveis. Esse viés cognitivo destaca a importância do contexto e da maneira como as escolhas são apresentadas na hora da tomada de decisão.

Exemplo: Para exemplificar, trago a seguinte pergunta: Qual das frases abaixo favorece mais a marca?

1) “1 em cada 10 dentistas não recomendam Sensodyne”

2) “9 em cada 10 dentistas recomendam Sensodyne”?

Perceba que é a mesma coisa, porém a maneira como a informação é apresentada enviesa o usuário, fazendo com que ele não pense no único dentista que não recomenda, mas sim nos outros 9 que recomendam.

Como se atentar à este viés?
Lembre-se que toda empresa foca em vender seus produtos e serviços e, para isso, apresenta as informações da melhor maneira à atingir este objetivo. Portanto, certifique-se que as informações são verdadeiras e análise outros lugares (inclusive profissionais especializados na área) para agir em relação à este viés.

Imagem de Sensodyne falando sobre 9 em 10 dentistas recomendam o uso

7. Fadiga da Decisão:

“Quando temos muitas escolhas para fazer, podemos nos sobrecarregar e não tomar decisões”

A fadiga de decisão é um viés cognitivo que está relacionado à diminuição da capacidade de tomar decisões de qualidade à medida que uma pessoa é exposta a um grande número de escolhas ao longo do tempo. Essa fadiga mental pode levar a decisões impulsivas, irracionais ou, até mesmo, evitar a tomada de decisões.

Exemplo: Sabe aquele momento que bate uma vontade de tomar um sorvete e você resolve ir à uma sorveteira renomada do bairro com diversas opções? Então, eu garanto que o tempo de decisão nesta sorveteria é bem maior do que no McDonald’s, que possui somente três sabores de rápida escolha, e detalhe: O viés se encontra no momento em que você vê os sabores. Depois disso é impossível se decidir por um sem se arrepender depois. (O Netflix é um grande exemplo disso também!)

Como se atentar à este viés?
Vá pela eliminação até restarem poucas opções para facilitar a sua busca. Ás vezes pensar de maneira contrária poderá facilitar o processo de decisão sobre algo.

Sorveteria do bairro com diversas opções de sorvete

Chocolate, Baunilha ou Mista — Sabores de casquinha do McDonald’s

8. Heurística do Afeto:

“Nossas decisões não são puramente racionais, mas influenciadas por emoções”

A heurística do afeto é um viés cognitivo que influencia as decisões e julgamentos das pessoas com base em suas emoções e sentimentos numa dada situação. Essa heurística faz com que as pessoas tendam a fazer escolhas e tomar decisões com base em suas reações emocionais imediatas, em vez de usarem de uma análise racional e detalhada das informações disponíveis.

Exemplo: Quando uma pessoa escolhe um produto com base na sua aparência, mesmo que não seja o mais funcional ou adequado para suas necessidades, como o iPhone, por exemplo. Um celular com um preço acima da média, mas que na prática, pra maioria das pessoas, possui as mesmas funções que qualquer outro celular moderno possui.

Como se atentar à este viés?
Se atente ao seu estado emocional no momento da decisão e reflita se você realmente necessita daquilo. Tenha consciência do cenário para que você não tome decisões importantes precipitadas.

Não se apegue emocionalmente à escolhas e decisões importantes, elas atrapalham a maneira habitual de pensar

Conclusão

Espero que tenha gostado deste artigo. Como você pode ver, os vieses cognitivos estão mais presentes na sua vida do que você imagina, e são parte fundamental da estratégia de diversas empresas em capturarem sua atenção e interesse, por isso é fundamental estar atentos a eles.

Não só isso, na ZRP, desenvolvemos produtos digitais e software. Isso significa que ao projetarmos um produto e serviço, também precisamos estar atentos para oferecer uma experiência ímpar e humanizada para os nossos usuários, e isso começa a partir do nosso esforço em entender como esses usuários tomam decisões no dia a dia.

E para fecharmos, fica aqui uma boa e velha recomendação, principalmente para designers e pessoas da área de experiência de usuário: Enviesados, escrito por Rian Dutra, o qual foi fundamental para a criação do conteúdo desta história.

Até a próxima ❤️